No conto de Clarice Lispector, “Um dia a menos”, podemos acompanhar os pensamentos de Margarida Flores, em um dia sozinha. É algo que beira ao desespero. Na peça que assisti, há um tempo atrás, baseada no conto, Ana Beatriz Nogueira interpretou Margarida diante da plateia. Foram minutos marcantes.

Por que estou falando sobre isso?!

A solidão pode estar presente nas mais diversas produções artísticas: plásticas, cênicas e musicais, além da literatura, claro. Ela pode ser tema ou estar subentendida no que envolve alguma produção subjetiva. Na maioria das vezes, a solidão é vista como ruim, algo a ser evitado e incompreendido. Ela é abstrata e a sua definição é ampla. Obviamente que a experiência da solidão pode mobilizar sentimentos indesejados e dolorosos.


A presença da ausência, seja aquela no sentido físico mesmo ou na falta de relacionamentos significativos/ou conexões afetivas satisfatórias (estar junto de pessoas, mas no fundo estar desacompanhada), são fatores de análise interessantes quando falamos de solidão. Há camadas na solidão.
“Luz solar em uma cafeteria”, Edward Hopper, 1958.
Podemos pensá-la na dimensão do desenvolvimento psíquico humano. Autores como Freud e, especialmente Melanie Klein, Winnicott e Lacan, abordaram o tema de modo a entender o lugar da experiência da solidão no desenvolvimento emocional e na integração do Ego. De maneira geral, a existência da falta, mesmo em um contexto social, faz parte dos conflitos internos de cada um.

O isolamento também pode indicar um resguardo do Eu diante de dificuldades e desprazeres que por ventura possam fazer parte do contato com o Outro. Por outro lado, o estar só pode favorecer o trabalho intelectual e reduzir a influência do grupo, abrindo espaço para a originalidade, como nos indica Freud. Lacan, Winnicott e Klein abordam o tema da solidão a partir do entendimento das relações de objeto e suas dinâmicas, que afetam o desenvolvimento psíquico da pessoa. Klein escreveu o artigo “Sobre o sentimento de solidão (1963 – texto póstumo)” e Winnicott, “A capacidade para estar só (1958)”, que coloca isso como uma característica muito importante de maturidade psíquica.
A palavra solitude também está em nosso vocabulário e, diferente de solidão, não traz um pesar ou sentimento ruim. Geralmente ela está associada ao bem-estar da própria companhia.

Esse é um assunto inesgotável, que pode ser retomado em momentos futuros. E você, como se sente na presença da solidão?
Referência
Tatit, Isabel (2012). Do discurso de isolamento a uma experiência de solidão. Dissertação de mestrado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo.
Imagem destacada no post: “Composição (Figura Só)”, Tarsila do Amaral, 1930.